segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Entre urubus e sonhos


A idéia de fazer uma matéria no lixão surgiu após a visita de uma das equipes da VCE para capturar imagens para o documentário “Mova Brasil”. Me lembro que alguém disse assim: “Ferdinanda, você tem que ir lá”.


Eu fui! Não foi fácil conseguir entrar. Nossa produtora Manuela Bicudo passou semanas fazendo contato com eles para termos uma autorização. E um dia não foi suficiente. Fomos dois dias, um terceiro dia na casa da D. Marli, que acabou se tornando uma personagem da matéria, pela sua história e disponibilidade em falar com a gente.


Um quarto dia de gravação seria à noite porque segundo relatos dos catadores a situação quando o sol se põe é ainda mais degradante. Não conseguimos. Nossa equipe foi por três vezes ao local, com autorização, mas não conseguiu entrar. A resposta fica subentendida para como cada um quiser interpretar...


Lembro do cheiro, do calor e da sensação que tive quando cheguei ao lixão. Ainda nem tinha subido o morro do aterro e pude sentir a mistura de dor, vergonha e luta que é estar naquele lugar.


"Esse é meu suor..." "trabalho sujo, perigoso..." "correr atrás do caminhão..." "garantir um lugar..." "ninguém liga pra gente"... são umas das muitas coisas que se ouve lá em cima.


"Eu vejo o lixo como a última opção", me disse a assistente social Marza Batista.


Conheci gerações inteiras lá dentro, serviço passado de pai para filho. Adolescentes, mulheres grávidas, idosos. Quando nosso cinegrafista ligou a câmera, a maioria não quis falar. Sentem vergonha de estar ali. São desprezados, humilhados por estarem ali, mas fazem o trabalho sujo, que tanto a cidade depende. Para mim aquilo não deveria existir.


"Foi aqui, neste banquete para urubus, que Marli tirou dinheiro para se sustentar durante todos esses anos. Foi com esse dinheiro também que ela construiu esta meia-água para um dos filhos. Marli já trabalhou em hotel, fez figuração em novelas e foi integrante do MST". Conheci Marli no lixão, uma mulher forte, de fibra, que aos 54 anos de vida trabalha de domingo a domingo. "Eu fico magoada... 17 filhos, 40 netos... nada da prefeitura... nem um emprego”. Ela é o espelho de muitos que não tem coragem de falar.


Um comentário:

Cassio Peixoto disse...

parabéns pela matéria e pela iniciativa do blog, já está na lista do meu blog, um abraço e até mais

cassio peixoto